domingo, 9 de agosto de 2009

O Medo do Medo

Tudo branco. Aos poucos o mundo turvo vai se tornando mais nítido. O ambiente vai tomando formas e ele percebe que está correndo ofegante e desesperadamente. Por quê? Aos poucos o oxigênio vai tomando o seu pulmão e restabelecendo sua respiração.
É um corredor branco, com o chão de marfim branco e, pela parede, azulejos brancos. Parece ser um corredor de hospital.
A visão se restabelece e ele percebe o quão forte é a luz das lâmpadas. Um corredor limpo com uma assepsia cirúrgica.
Um corredor branco e limpo e ele continua a correr. Mas correr para quê ou de quê? Finalmente essa dúvida corre-lhe a cabeça e, sem parar de correr, torce o seu pescoço para olhar pra trás. Se depara com uma imagem que lhe cortou o peito.
Um monstro horrível; a boca costurada por fios encardidos; os olhos vermelhos e apertados; na cabeça, pêlos que não eram cabelos; vestia um sobretudo marrom, provavelmente feito de couro. O que mais chamou a atenção foram os pés e os braços, ambos virados para trás. Era como um Curupira um pouco diferente; apenas a cabeça estava virada para trás e o corpo corria de costas.
Manoel sentiu seu peito apertar, voltou a olhar para frente e a correr desesperadamente.
O oxigênio começava a esvair-se do seu sangue, causando tonteira, tudo tava se tornando turvo novamente. Agüentou firme até enxergar uma porta aberta no final do corredor, à esquerda. Não pensou duas vezes, nunca teria coragem de enfrentar aquela criatura horrível.
Estranhamente, ele a porta levava ao inicio do corredor por onde ele corria. E de lá, podia ver o monstro imóvel. Agora via o corpo de forma normal mas a cabeça estava virada para trás. Como? Como poderia sair do fim, e ir para o início do mesmo corredor? Afinal de contas, onde ele estava?
Estendeu o braço para o lado de dentro da porta e viu o seu braço aparecendo no outro lado do corredor. E ao ver o braço estendido para o lado de fora da porta, o monstro continuou a correr. Por instinto, Manoel recolheu o braço e o monstro cessou seu movimento.
Agora sim, tudo parecia mais fresco na sua memória. Ele estava correndo a sua vida toda, sem saber para onde ou o porquê disto. O medo o tornava refém desta caçada. Mas hoje isso iria mudar, ele se decidiu.
Por um instante, se afogou em seus pensamentos. Sabe-se lá como, seus olhos foram guiados e ele notou um detalhe que nunca havia percebido: os braços da criatura horrível, assim como os pés, estavam virados para trás. Era muito mais perigoso enfrentá-lo pelas costas do que ter um encontro frontal. Atacando pelas costas, não enfrentaria aquele rosto horripilante e bizarro, mas enfrentaria braços armados com punhais enferrujados e pontiagudos. Enfrentando-o pela frente, estaria livre de danos físicos, mas ficaria a mercê de uma face que tanto o assusta.
Dúvida, um medo agudo ou a lógica? Aquilo tinha de acaba. Ninguém pode fugir para sempre.
Decidiu. Tomou fôlego, viu o estado deplorável de suas roupas, realmente deveria ter tomando essa decisão antes.
Entrou pela porta, encarou o monstro com os olhos profundos. Os dois puseram-se a correr.
Como ninguém pode despir-se de seus medos de uma hora para a outra, ele cerrou os olhos. Antes do choque, um único e bravo grito.



Abriu os olhos. Seus pés já não batiam com um ritmo frenético, sua respiração já estava mais calma. As pessoas ao redor já não eram assustadoras. Finalmente, Manoel se sentia normal. Poderia falar com qualquer pessoa, poderia expor qualquer coisa a qualquer um.
Mentalmente, ele aprendeu que enfrentar o medo pode ser assustador, mas é a única opção para quem não quer estar preso.

2 comentários:

Mah Jardim disse...

Ficou bom, não apague.

Uriel Pinho disse...

Disse tudo: enfrentar o medo é a única opção para quem não quer estar preso.


texto merecia uma filmagem :P